Tema: CONFLITOS
Orgão de imprensa: GAZETA DO POVO
Data da notícia: 05-03-1906
Ano: Ano: 2
Número: nº 182
Dia da semana: Segunda-feira
Página: 1
Coluna: Diário das Ruas
Caderno:
Manchete: NAVALHADA
Texto:
De entrada, ontem, às 6 e ½ horas da tarde, no Hospital S. Isabel, apresentando guia do sub-delegado de Brotas, Jão Angelo de Oliveira, de 23 anos, pardo, roceiro e morador naquele distrito, o qual recebera em um conflito uma navalhada, na região antero-externa do tórax.
Após os curativos foi recolhido à enfermaria de S. Luiz.
Tema: CONFLITOS
Orgão de imprensa: GAZETA DO POVO
Data da notícia: 08-03-1906
Ano: Ano: 2
Número: nº 185
Dia da semana: Quinta-feira
Página: 3
Coluna: Diário das Ruas
Caderno:
Manchete: NAVALHADA
Texto:
De um conflito em que se meteu, ontem pela manhã, lá pelo distrito de Nazaré, saiu com um golpe de navalha, no dedo anelar da mão direita, o Sr. João Pereira dos Santos, jardineiro, de cor parda e de 25 anos de idade.
João Pereira foi medicar-se no Hospital S. Isabel, onde deu entrada, às 11 horas da manhã, retirando-se logo após o necessário tratamento.
Tema: CONFLITOS
Orgão de imprensa: GAZETA DO POVO
Data da notícia: 21-03-1906
Ano: Ano: 2
Número: nº 196
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 3
Coluna: Diário das Ruas
Caderno:
Manchete: FACADA
Texto:
Oscar Joaquim do Prado, de 17 anos de idade, de cor preta, estivador e residente no Caminho Novo encontrou-se, ontem, logo às primeiras horas da noite, com um seu desafeto, e depois de uma ligeira troca de palavras travou luta com o mesmo.
O resultado foi Oscar receber uma facada na região deltoidiana esquerda, o que o obrigou a dirigir-se ao Hospital S. Isabel, para ser medicado.
O ofensor... evadiu-se.
Tema: CONFLITOS
Orgão de imprensa: GAZETA DO POVO
Data da notícia: 23-03-1906
Ano: Ano: 2
Número: nº 198
Dia da semana: Sexta-feira
Página: 1
Coluna: Diário das Ruas
Caderno:
Manchete: CONFLITO E FERIMENTOS
Texto:
Ontem, à noitinha, na Estrada da Vala, nas imediações da fabrica de tecidos Modelo, travavam-se de razões, por motivos frívolos, Faustino Nascimento do Carmo e Malachias de tal, crioulo, proprietário de uma bodega, existente naquelas paragens.
Após ardorosa contenda, Malachias pôs o feixe e rezinga, “chegando a pau”, vigorosamente, às costelas e também à cabeça do Faustino, que, moído e ensangüentado, foi medicar-se na Farmácia Independência, do conhecido clínico Dr. José Duarte.
De referência ao delinqüente e às providências da autoridade local é que... nada temos a acrescentar.
Tema: CONFLITOS
Orgão de imprensa: GAZETA DO POVO
Data da notícia: 02-04-1906
Ano: Ano: 2
Número: nº 206
Dia da semana: Segunda-feira
Página: 3
Coluna: Diário das Ruas
Caderno:
Manchete: AGRESSÃO A CACETADAS
Texto:
João Pereira dos Santos, de cor parda, com 30 anos de idade, carroceiro e morador do Sangradouro, quando passava, ontem à noite, pela Mata Escura foi agredido por um indivíduo desconhecido, que lhe vibrou duas cacetadas, sendo uma na perna esquerda e outra no pé direito.
O carroceiro João Pereira dirigiu-se ao Hospital Santa Isabel, onde foi medicado.
Tema: CONSTRUÇÃO DE ASILOS
Orgão de imprensa: A ORDEM
Data da notícia: 16-05-1900
Ano:
Número: nº 32
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 2
Coluna:
Caderno:
Manchete: ASILO “FILHAS DE ANNA”
Texto:
Do Sr. Major Manuel Paulo Teles de Mattos recebemos a quantia de 20$000, que nos foi enviada, no dia 13 do corrente, em nome dos filhos daquele cavalheiro para ser entregue ao asilo “Filhas de Anna”, em comemoração ao adversário da áurea lei que exterminou a escravidão do solo da Pátria Brasileira.
Honra, pois, à tão distinto abolicionista, que todos os anos, em nome daqueles que lhe são caros, por demais, prática ação tão louvável, comemorando de tal modo, a data sublime de 13 de maio.
O dinheiro remetido pelo Sr. Major Manoel Pinto acha-se já em mãos do Sr. Administrador do asilo.
Tema: CONSTRUÇÃO DE ASILOS
Orgão de imprensa: A ORDEM
Data da notícia: 12-12-1900
Ano:
Número: nº 97
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 3
Coluna: Avulsas
Caderno:
Manchete:
Texto:
Os deputados estaduais paulistas abriram, entre se, uma subscrição, destinada à compra de 100 mil tijolos para construção de um asilo para negros.
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 25-02-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº 2153
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 1
Coluna: 8
Caderno:
Manchete: MEMÓRIAS BRASILEIRAS
Texto:
A obra histórica do nosso colaborador Damasceno Vieira, intitulada MEMÓRIAS BRASILEIRAS, acha-se já com o segundo tomo impresso. Abrange 537 Páginas, vol. In.4.; e consta de quatorze capítulos de n: XXII a XXXV, os quais tratam dos seguintes assuntos: cap. XXII.— Guerra da independência da Bahia.
{...}
Cap. XXVII. A imprensa Brasileira em 1828. Levantamento de pretos na Bahia...
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 14-03-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº 2162
Dia da semana: Sábado
Página: 1
Coluna: 3
Caderno:
Manchete:
Texto:
Faz hoje 5 anos que faleceu, no Rio de Janeiro, em extrema penúria, o distinto poeta Cruz e Souza, cantor dos Broqueios e dos Faraós.
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 17-08-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2292
Dia da semana: Segunda-feira
Página: 2
Coluna: 2
Caderno:
Manchete: TRANSCRIÇÕES
Texto:
{...}
Azevedo principiou mui jovem sua carreira literária.
Contando apenas 16 anos escreveu o seu primeiro livro, uma novela romântica que batizou com o nome de “Uma lágrima de mulher”.
{...}
Por outro lado a escravidão estava em todo o seu apogeu e, o que é em mais, em todo o povo existiu terríveis preocupações contra a gente de cor, que alcançavam não só ao negro como ao mulato, senão a todos os que faziam suspeitos de terem suas veias algumas correras de sangue escuro.
Azevedo se desenvolveu nesse ambiente, acostumado a ver a injustiça de considerar um escravo como um animal de carga, sem nenhum direito e com uma serie de deveres que se faziam cumprir à força de duros castigos.
....Concebeu a sua obra e a arrojou à sociedade em que vivia como um repto às suas práticas e aos seus costumes.
Quando Aluízio de Azevedo publicou o seu “Mulato” contava apenas 21 anos.
{...}
Hoje, essa época de luta passou. O Brasil aboliu a escravidão e as suas instituições não se derrocaram por esse fato, senão que se exaltaram.
O “Mulato” não é já uma obra sectária porém nem assim perdeu o seu interesse.
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 19-10-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2343
Dia da semana: Segunda-feira
Página: 1
Coluna: 6
Caderno:
Manchete: BIBLIOGRAFIA
Texto:
Se não tens Dor, vaga pelos desertos corre pelas áreas da Ilusão, e pede às vermelhas campanhas abertas da vida clama e grita; quem me dá uma Dor, para me iluminar! Que eu seja o transcendentalizado da Dor! escreveu, poderosamente, magnificamente, nas Páginas das Evocações, o artista negro dos Broqueis.
Não é sem tempo relembrar-se aos espíritos obcecados com as grandes perversões morais, as íntegras verdades que significam as palavras de CRUZ E SOUZA.
{...}
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 05-01-1905
Ano: Ano: XI
Número: nº: 2974
Dia da semana: Sexta-feira
Página: 2
Coluna: 5
Caderno: Variedades
Manchete: O PRESEPISTA
Texto:
{...}
Ao fundo, o tal presepe.
Em frente e aos lados, bancos onde, em mescla ultra-democrática, se sentam famílias, rapazes, damos de carapinha, Zé povo, em suma…
CENA 1
Entram cinco mulatinhas, filhas do Brandão, vestidas de branco com fitas verdes, empunhando chocalhos, e entoam esganiçadamente o seguinte cântico:
Há um Deus menino
Senhô dos artura
Quei veiu humaná-se
Quei veiu humaná-se
Hoje, Hoje
Entre as criatura
Dançam ao som dos chocalhos, em frente ao presepe, nele depositam flores, tornam a repetir a mesma cantiga, dançam de novo e safam-se.
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 15-02-1906
Ano: Ano: XI
Número: nº: 2981
Dia da semana: Segunda-feira
Página: 1
Coluna: 4
Caderno:
Manchete: ESTROS & SESTROS
Texto:
Sem livros folhear, nem alfarrábios
O meu compadre e amigo Zé povinho
É dentre os sábios o maior dos sábios
E até algumas vezes adivinho.
{...}
É um delírio – tudo grita e pula
E enquanto o “pinho” geme e rompe a chula
Bamboleia os quadris gentil mulata.
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 18-02-1902
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2148
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 2
Coluna: 1
Caderno:
Manchete: REVISTA HISTÓRICA DO ANO DE 1903 POR MAX NORDAU VIII BÉLGICA-DINAMARCA-BALKANS
Texto:
{...}
A Bélgica continua sob o jugo dos clericais. Em vão o proletariado, em meados de abril, fez esforços heróicos para provocar uma mudança na Constituição, obtendo o sufrágio universal, que lhe permitisse destruir, sem resolução sangrenta, por meio de simples votos, o domínio do partido negro. Sangue precioso foi derramado em conflitos, que, durante um momento, pareceram formidáveis, mais que afinal não deram resultado algum.
{...}
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 25-02-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2153
Dia da semana: Quarta-feira
Página: 1
Coluna: 8
Caderno:
Manchete: MEMÓRIAS BRASILEIRAS
Texto:
A obra histórica do nosso colaborador Damasceno Vieira, intitulada MEMÓRIAS BRASILEIRAS, acha-se já com o segundo tomo impresso. Abrange 537 Páginas, vol. In.4.; e consta de quatorze capítulos de n: XXII a XXXV, os quais tratam dos seguintes assuntos: cap. XXII.— Guerra da independência da Bahia.
{...}
Cap. XXVII. A imprensa brasileira em 1828. Levantamento de pretos na Bahia...
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 27-10-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2350
Dia da semana: Terça-feira
Página: 1
Coluna: 6
Caderno:
Manchete: O BONDE
Texto:
{...}
Tu és oh! bonde, o Karl Marx dos veículos, o Benoit Malan dos transportes.
{..}
Os ricos, atendendo à tua comodidade e apreciando a tua barateza, abandonam por ti as carruagens de luxo...
{...}
Aí, ao lado do capitalista gotoso, senta-se o trabalhador esfomeado; a costureirinha humilde... Tu és um grande apostolo do Socialismo, oh bonde modesto! Tu destruíste os preconceitos de raça e de cor...
{...}
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 02-01-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2111
Dia da semana: Sexta-feira
Página: 1
Coluna: 3
Caderno:
Manchete: DMITRY MEREJYKOWSK FOLHETIM A MORTE DOS DEUSES Romance de Juliano o Apostata
Texto:
A controvérsia era das mais animadas, a reunião, dos sofistas, dos sábios, dos padres, considerável. Geralmente, pouco a pouco, o adversário, se submetia, não ante a lógica do filósofo grego, mas ante a majestade do imperador romano – e cedia.
Dessa vez, porém tal não sucedeu: Cesar de Cappadocia não cedeu. Era um moço tendo nos gestos, uma graça feminil, uma inalterável claridade nos olhos puros.
Denominava a filosofia de Platão, a sabedoria tortuosa da serpente, e ela opunha a sabedoria Celeste do Evangelho. Juliano carregava o sobrolho, agitava-se, mordia os beiços, contendo-se a custo.
A discussão, como todas as discussões sinceras, terminou sem resultado.
O imperador, retomando a calma, saiu da sala a fazer uma pilheria filosófica, compôs um rosto amável, impregnado de magnânima tristeza_ na verdade com o coração a sangrar.
Justamente nesse momento aproximou–se dele o retórico Hekébolis, que Juliano considerava como inimigo. Perguntou-lhe:
Que queres?
Hekébolis caiu de joelhos e começou uma confissão de arrependimento. Havia muito, hesitava: mas as deduções do imperador haviam-no vencido definitivamente. Amaldiçoava a negra superstição galiléia: o coração voltava para as saudades da infância, para os claros deuses olímpicos.(...)
J.Ferreíra – Souza Ferreíra
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 08-01-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2115
Dia da semana: Quinta-feira
Página: 1
Coluna: 3
Caderno:
Manchete: DMITRY MEREJYKOWSK FOLHETIM A MORTE DOS DEUSES Romance de Juliano o Apostata TRADUÇÃO BRASILEIRA DE J. Ferreíra- Souza Ferreíra SEGUNDA PARTE IV
Texto:
No centro da sala passeava um velho forte de maçãs no rosto salientes, cabeça aureolada de abundantes cabelos grisalhos. Era o septuagenário bispo Purpuris, um africano donatista, chamado do exílio por Juliano.
Nem Constantino, nem Constâncio, haviam conseguido abafar a heresia donatistas. Rios de sangue corriam havia cinqüenta anos, na África, por causa da injusta destituição de um donatista em vez de um siciliano, ponto que ficou sempre obscuro. Mas as duas seitas se entre destruiam e não se podia pressagiar o fim desses fratricídios, não por duas opiniões, mas dois nomes.(...)
Atrás de Purpuris, seguindo-o passo a passo, com um cão, caminhava o seu fiel guarda costas, um enorme africano, meio selvagem, negro terrível, nariz achatado, beiços grossos: o diácono Leona, armado de um bastão que apertava nas mãos nervosamente. Era um etíope pertencente à seita dos mutiladores, chamados “circumcellions”. De armas na mão andavam pelas estradas e propunham dar dinheiro aos viandantes para que os matasse, acrescentando: (...)
E os pacíficos habitantes das cidades africanas temiam mais esse grito sagrado do que o som das trombetas guerreiras ou os rugidos do leão. Os donatistas consideravam os circumcellions como seus guardas. Os camponeses etíopes não compreendendo bem as disputas eclesiásticas, os donatistas indicavam aqueles que deviam ser mortos “segundo a Escritura”.(...)
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 13-01-1903
Ano: Ano: VIII
Número: nº: 2119
Dia da semana: Terça-feira
Página: 1
Coluna: 3
Caderno:
Manchete: DMITRY MEREJYKOWSK FOLHETIM A MORTE DOS DEUSES Romance de Juliano o Apostata TRADUÇÃO BRASILEIRA DE J. Ferreíra-Souza Ferreíra SEGUNDA PARTE IV
Texto:
À sombra das tapeçarias de púrpura, sentiam-se envolvidos em bem estar, enquanto que em baixo os galileus, suando, anatematizavam e pregavam.(...)
O bispo Purpuris, a quem havia uma hora, não deixavam pronunciar uma palavra desejando desabafar o coração, lançou-se sobre o cainita e ergueu contra ele a mão nervosa “para fechar os lábios do ímpio”!(...)
Arrastaram Purpuris e queriam fazê-lo sair.
Ele gritou:
Leona! Diácono Leona!
O diácono repeliu os soldados por dois por terra, soltou Purpuris e a terrível clava do circumcellion silvou por de sobre as cabeças dos heresearcas.
- Glória a Deus! - bradava o africano procurando a vítima.(...)
Tema: CONTOS
Orgão de imprensa: A BAÍA
Data da notícia: 16-01-1903
Ano: Ano: VIII
Número:
Dia da semana: Quinta-feira
Página: 1
Coluna: 1
Caderno: Variedades
Manchete: O JANGADEIRO
Texto:
A vazante se desfazia em vagalhões coléricos. O porto da Fortaleza a alegre capital cearense, tornando inacessível às pequenas embarcações, só tinha um escoadouro nas intrépidas jangadas. E as velas pandas e possantes, resvalando pelas ondas, eram como grandes azas brancas de cisnes altaneiros, fugindo para o mar alto em plena liberdade.
Na praia, a multidão se aglomerara curiosa.
Chegara um vapor brasileiro que dentro de poucas horas levantaria ferro em rumo do sul, buscando outros portos mais ricos e mais prósperos. Os passageiros ávidos de chegar à bordo, atiravam – se imprudentes a cada jangada que se aproximava em ímpetos convulsos; e a maior parte era sacudida pela violência das ondas que impediam desesperadamente o acesso, como que arretendo no seio amigo daquela boa terra.
Havia um murmúrio confuso de risos e de imprecações. O sol, em pleno azul onipotente e só, abrasava em cintilações feéricas o areal intermino da costa; mas não impedia que o povo fosse, como fazia já desde algum tempo, levar ali o seu protesto indignado e nobre contra o embarque de mais um bando de escravizados fortes e robustos e que iam ser arrancados à terra natal. E estes em frente, entre duas alas de soldados, esperavam apenas o momento de ser transportados para o vapor que os levaria para as fazendas longínquas, onde iriam enriquecer ainda mais as lavouras do Rio e São Paulo.
Era um quadro desolador e triste. Muitos dos infelizes se separavam das mães, dos filhos ou das mulheres, pobres desprezadas que já não rendiam tanto como eles, pois que já tinham os úteros libertados.
E talvez assim pensava como um bom financeiro que era, o adiposo traficante que ali estava à frente, fiscalizando a maldita mercadoria, e que comprara ao empobrecido agricultor cearense, arruinado pelas secas para vendê-la de novo pelo triplo aos abastados proprietários do sul.
Mas aquelas lágrimas, aqueles gemidos, aquelas despedidas tocantes, murmurados à meia voz, iam irritando pouco a pouco o povo. Já se faziam sentir protestos surdos. E de quando em vez, indiretas e ápodos eram atirados contra o infame negreiro que, todavia se conservara indiferente e, calmo, confiado na polícia que ali ao lado lhe garantia a mercadoria humana.
E as jangadas chegavam... E a cada uma o miserável traficante acenava, pretendendo fretá-la e prometendo ao patrão uma grossa gorjeta se levasse a salvamento toda aquela gente para, a bordo do navio, prestes a levantar ferro.
Os jangadeiros, porém, a cujos corações rudes e generosos haviam falado de perto a propaganda abolicionista, recusavam nobremente a tentadora oferta, e tinham respostas grosseiras, mas tão eloqüentes que a massa popular rompia em delirante aplauso.
E as horas iam passando... O negreiro, desesperado, coçava a cabeça, pois a barcaça que, já por esse motivo havia comprado, não podia atracar com esse mar tão forte. E sustentar aquela gente mais uns dez dias era para ele um prejuízo enorme.
Entretanto, nessa ocasião aproximara-se mais uma nova jangada. Era conhecida como a mais rija e a mais veleira de todas. Fizera já longas viagens ao alto mar e conseguira as mais ousadas pescarias.
Francisco, gritou então para o Timoneiro, o negociante tirando do bolso uma cédula de vinte mil réis. Leva-me esta canalha para bordo que ganharás isto!
E mostrava-lhe, de longe a nota, erguendo-a acima da cabeça.
O jangadeiro trepara já sobre o banco da leve embarcação, apanhando as velas.
Pareceu refletir um pouco, como que tentado pela oferta, e bradou:
Pois bem! Patrão, embarque o povo, que o levo todo para a bordo.
Houve um grito de raiva na multidão ansiosa. Uns atiravam-lhe insultos; outras súplicas veementes.
Os mais embarcadiços tostados pelo sol da terra da liberdade murmuravam entre os dentes ameaças terríveis...
Mas o jangadeiro indiferente, nenhuma resposta articulava; e, calmo e resoluto, auxiliava os soldados no embarque dos escravizados, no meio daquela chuva de impropérios e de soluços.
Saltar, para acompanhá-los, o jangadeiro, rápido e adestrado, já tinha impelido a popa para o largo.
-Não! Patrãozinho, gritou ele de longe.
Não cabe aqui mais ninguém; eu volto já, para buscá-lo.
O povo rompera em estrondosa vaia, abafando os ais e os lamentos dos infelizes que ficavam separados dos seus entes queridos!
Mas a jangada soltara a vela, intrépida e enfunada. O nordeste e o refluxo das ondas davam-lhe uma velocidade fantástica. Parecia apenas resvalar por sobre as águas, acariciando-lhes o dorso encapelados e lançando para o ar a espuma em largas bátegas, cintilantes pelo sol cadente.(...)
De repente, porém, ouviu-se um grito de surpresa geral. O negreiro erguera-se nas pontas dos pés; e com a mão, formando pala sobre os olhos, procurava convencer-se talvez de uma ilusão.(...)
A multidão rompera em saudações frenéticas. E à proporção que o lenho redentor ia-se afastando e que desapareciam os seus infelizes tripulantes, as velas perdiam pouco a pouco a forma nas dobras do horizonte, assemelhando-se a um lenço branco que, ensopado de lágrimas, mostrava assim de longe, de muito longe, naquele extremo adeus à Pátria, a {...} alvíssima da Liberdade.